domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Conto das Chamas Repentinas

Há muito tempo atrás, houve um homem que tinha pesadelos todas as noites com sua esposa que cometera suicídio. Numa noite sem luar ela lhe apareceu num sonho, onde ele quase tocava sua face, mas não podia evitar seu sofrimento. Ele acordou de repente, completamente angustiado e fora de controle, ateou fogo em sua casa na tentativa de destruir tudo o que a lembrava, e fugiu da pequenina cidade por um caminho ermo. A família fez um funeral pensando que ele havia morrido nas chamas e não permitiram que a casa fosse refeita ou herdado por quem quer que fosse.

Esse homem perambulou errante durante muito tempo, guiado não se sabe por qual força maligna, e encontrou uma cigana. Ela lhe prometeu aliviar suas angústias se ele fizesse um pacto sangrento que culminaria no assassinato do líder dos ciganos pelas suas próprias mãos. Ele aceitou, e numa grande fogueira ao luar, em meio à luxúria e perdição, a cigana conjurou espíritos impuros de seus antepassados para servir em lealdade e guardar dos perigos esse homem e somente em nome desse homem. O flagelo do fogo era a testemunha eterna do crime que ele devia cometer, a esse destino estariam acorrentados até que a escuridão cobrisse tudo. E assim se fez. No entanto, o homem mentiu quando a cigana perguntou seu nome...

O líder dos ciganos foi assassinado, a cigana arrancou os olhos do cadáver, pois ela queria mais do que tudo guardar aquele olhar de agonia da vítima, e depois esquartejaram seu corpo e o lançaram na fogueira, sem tempo de praguejar.

Os outros do bando encontraram o rastro depois que amanheceu, pois o sangue adquiriu uma cor vemelhoprata à luz sol denunciando o crime. Mas a cigana se fez de vítima e o traiu, e perseguiram o estranho. Veloz ele corria, como se possuísse asas ocultas, porém os ciganos conheciam o terreno e o cercaram na beira de um precipício.

Diante do abismo, o demônio falou pela boca do estranho ao bando, oferecendo poder e imortalidade a todos os que se ajoelhassem naquele momento. Os ciganos se ajoelharam e o adoraram, fazendo votos de lealdade, mas em seus corações havia mentira e pensamentos trapaceiros. O homem sabia do que se passava nas suas mentes, mas estava disposto a correr o risco pela promessa que a cigana fez, de livrar da angústia seu coração. Receberam o estranho como líder e ele lhes deu poder e imortalidade, de tal forma que os ciganos eram como seres bestiais na face da Terra, ainda mais dispostos a começar uma grande matança. O homem tomou a cigana como esposa, mas as feitiçarias dela não tinham validade para aliviar seu sofrimento interior. E o homem se tornou um tirano inconsolável como jamais houve em tempo algum, e odiava principalmente aqueles que o serviam com intenções traiçoeiras.

Assim a cigana quis escolher um novo mortal para o matar, mas não havia como controlar o poder do tirano, então ela forneceu aos renegados feitiços sinistros, mas mesmo assim não puderam derrotá-lo. O tirano fez seu poder cair do céu como uma tempestade de chamas. O bando se dispersou sobre a face da Terra, praguejando, e a vida se lhes tornou amarga como uma maldição.

O tirano arrastou a cigana para o deserto e a faz rainhas das areias. Sete vezes ela engravidou. Nenhum dos seus filhos nasceu com vida. Então, numa noite sem luar, ele a acorrentou sem que ela percebesse, fez a alma dela adormecer e a purificou com fogo, incinerando o corpo mortal. Enquanto a cigana ardia, a escuridão do deserto e a luz das estrelas despertaram uma saudade indizível de sua terra natal. E ele teve um sonho que não pode ser relatado aqui.

Sem que ele se desse conta do que fazia, abandonou as forças sombrias e voltou à pequenina cidade, que não era mais pequenina, tudo estava tão mudado... Então se dirigiu para onde uma vez no passado estava sua casa e se lembrou da grande felicidade quando sua amada mais amada vivia. A habitação que ele mesmo incinerara no começo da história se refez diante de seus olhos, iluminada em meio ao verde de antigamente, e não se sabe por qual força, se boa ou maligna.

Pela ultima vez ele entrou no reduto e nunca mais foram vistos ele ou a velha casa que as chamas consumiram.


Juan

2 comentários:

  1. =O
    Putz...
    Amei!
    Mas fico me perguntando...será que agora ele descansa "em paz"?

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  2. Ele está amaldiçoado até que a escuridão cubra tudo... Mas eu sou o Senhor do Escuro e digo: que a escuridão caia sobre ele e que livre ele esteja!

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