(Trecho) "(...)Você já pensou como seria estar morto? Às vezes acho que sei tão bem que já devo ter morrido e estou caminhando no exterior, outro fantasma(...)
(...)Muitas vezes à noite, faço a cama apertada e depois entro debaixo das cobertas e deito com os braços rígidos dos lados, como se estivesse dentro do meu caixão. Seguro a respiração e imagino a tampa do caixão em cima de mim.(...)
(...)vendo-me ser baixada, encolhendo-se ao ouvirem a primeira pá de terra batendo na tampa do caixão, e aquele som ficando surdo gradualmente, enquanto minha cova se enche, apenas terra por cima de terra. Penso nas pessoas voltando para casa no final de um dia de inverno, aconchegando-se em torno do fogo, onde sua conversa gradualmente se volta para outros assuntos ao ter início o conforto do esquecimento.
Imagino que de vez em quando uma delas irá lembrar-se de como me deixaram pouco antes sozinha na terra fria, e como a luz está se apagando e estou começando minha nova existência ali,em meu novo lar, em meu buraco no chão.
E, com meus pensamentos voltando para meu corpo supostamente morto, lembro-me de "O enterro prematuro", de Poe, e me imagino ainda viva, gritando que quero sair, arranhando com as unhas a tampa do caixão, mas, com dois metros de terra acima de mim, ninguém consegue me escutar gritando e gritando, até que primeiro minha voz diminui, vai se resumindo à um lamento e depois nada; fico deitada e ouço minha própria respiração até acabar todo o ar, e então não há mais respiração ou escuta, porque não há mais absolutamente nada.(...)"
(Florence em "A menina que não sabia ler" de John Harding)
A sensação que compartilhamos...Florence e eu.